terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Conseguindo vida (Philip Yancey)

As pessoas mais cheias de vida são as que abrem mão da vida.


“A glória de Deus é uma pessoa totalmente viva”, disse o teólogo Irineu, que viveu no século 2. É triste, mas essa descrição não se encaixa na idéia que muitos têm sobre os cristãos modernos. Tenham razão ou não, eles nos enxergam como limitados, nervosos e reprimidos – mais dispostos a apontar o dedo para desaprovar do que a celebrar a vitalidade.
Um amigo de Friedrich Nietzsche certa vez lhe perguntou: “Por que você tem uma visão tão negativa do cristianismo?” Ele respondeu: “Nunca vi os membros da igreja de meu pai se divertirem”. Onde os cristãos adquiriram a reputação de destruidores da vida, em lugar de promotores de vida? O próprio Jesus prometeu: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente”. O que nos impede de termos essa vida plena?
Alguns crentes com experiências anteriores negativas na família ou na igreja podem acabar sufocados. Uma organização que trabalha com famílias que sofrem com o alcoolismo – Filhos Adultos de Alcoólatras – identifica três mecanismos de defesa que as crianças aprendem para sobreviver em ambiente disfuncional: Não Fale, Não Confie, Não Sinta. Conselheiros cristãos me disseram que cristãos problemáticos tendem a seguir as mesmas regras com relação a Deus. Como resultado de criação rígida, ou sentindo-se desiludidos por algum aspecto da vida cristã, acabam com a paixão e caem em uma fé cautelosa e defensiva. Cheios de medo, encontram refúgio com os outros que pensam como eles, em um ambiente “seguro”, afastado do mundo.
Claro, a Igreja inclui também uma longa tradição de monges e místicos que viram o mundo e seus prazeres com suspeita declarada. João da Cruz aconselhou os crentes a mortificarem toda alegria e esperança, para buscarem “não o que mais agrada, mas o que causa aversão”, e para “desprezar a si mesmo, e desejar que os outros também o desprezem”. São Bernardo cobria os olhos para não enxergar a beleza dos lagos suíços. Madame Guyon insistia com os fiéis para mortificarem o ego e avançarem para um estado de passividade completa. Busque o “nada”, aconselhava ela; adquira “indiferença completa a si mesmo”. Dificilmente esse conselho se encaixa com a vida plena.
Depois de escrever mais de 20 livros sobre assuntos variados, o escritor Frederick Buechner decidiu dedicar sua habilidade literária para estudar a vida dos santos. Os três primeiros que escolheu – Brendan, Godric e o Jacó da Bíblia – o surpreenderam porque, quanto mais pesquisava sobre eles, mais fatos negativos encontrava. “O que tornou esse trio duvidoso santo?” Perguntava ele a si mesmo. Por fim, ele se satisfez com a expressão “entrega da vida”. Com paixão e coragem, correndo riscos, cada um deles fez, com aqueles que os cercavam, que se sentissem não apenas com vida, mas cheios de vida.
Quando ouvi Buechner definir santidade dessa forma, pensei imediatamente em meu amigo Bob. Os pais dele se preocupavam com a vida espiritual de Bob, porque ele dedicava muito pouco tempo “à Palavra” e à igreja. Todavia, nunca conheci ninguém mais cheio de vida do que ele. Adotava animais que encontrava na rua, realizava trabalhos de carpintaria para os amigos, escalava montanhas, praticava pára-quedismo, aprendeu a cozinhar, construiu sua casa. Embora raramente usasse palavras religiosas, reparei que todos os que conviviam com ele, inclusive eu, sentiam-se mais cheios de vida depois de encontrá-lo. Bob irradiava o tipo de prazer pelo mundo material que Deus deve sentir. Pelo menos segundo a definição de Buechner, Bob era um santo.
Conheci outros cristãos que davam vida. Um presbiteriano devoto, chamado Jack McConnell inventou o teste Tine para tuberculose, ajudou a desenvolver o Tylenol e a ressonância magnética. Dedicou seu tempo de aposentadoria a reunir médicos aposentados para darem assistência gratuita aos pobres. Em outros países, encontrei missionários que consertam seus carros, falam várias línguas, estudam a flora e a fauna locais e dão injeções quando não há médico por perto. Em geral esses doadores de vida têm dificuldade para se encaixar no conforto das igrejas americanas.
Paradoxalmente, os doadores de vida que conheço parecem ser os que têm mais abundância de vida neles mesmos. Buechner reafirma o paradoxo que Jesus declarou pela primeira vez, que as pessoas mais cheias de vida demonstram isso abrindo mão dessa vida.
Os selos da inspeção dos automóveis traziam impresso no verso: “Dirija com cuidado – a vida que você salva pode ser a sua”. Essa é a sabedoria humana resumida. Por outro lado, Deus diz: “A vida que você salva é a vida que você perde”. Em outras palavras: a vida à qual você se agarra, poupa, vigia e deixa segura é, no fim das contas, uma vida que não serve para ninguém, inclusive para você mesmo. E apenas a vida entregue por amor vale a pena ser vivida. Para deixar isso bem claro, Deus mostra um homem que entregou a vida a ponto de morrer como desgraça nacional, sem um centavo sequer no banco nem um amigo a seu lado. Em termos humanos, um tolo perfeito, e quem pensa que pode segui-lo sem cometer o mesmo tipo de tolice está caminhando não sob uma cruz, mas sim sob um engano.

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sábado, 13 de setembro de 2008

A VELHA E A NOVA CRUZ - A.W.Tozer

Sem fazer-se anunciar e quase despercebida uma nova cruz introduziu-se nos círculos evangélicos dos tempos modernos. Ela se parece com a velha cruz, mas é diferente; as semelhanças são superficiais; as diferenças, fundamentais.

Uma nova filosofia brotou desta nova cruz com respeito à vida cristã, e desta nova filosofia surgiu uma nova técnica evangélica – um novo tipo de reunião e uma nova espécie de pregação. Este novo evangelismo emprega a mesma linguagem que o velho, mas o seu conteúdo não é o mesmo e sua ênfase difere da anterior.

A velha cruz não fazia aliança com o mundo. Para a carne orgulhosa de Adão ela significava o fim da jornada, executando a sentença imposta pela lei do Sinai. A nova cruz não se opõe à raça humana; pelo contrário, é sua amiga íntima e, se compreendermos bem, considera-a uma fonte de divertimento e gozo inocente. Ela deixa Adão viver sem qualquer interferência. Sua motivação na vida não se modifica; ela continua vivendo para seu próprio prazer, só que agora se deleita em entoar coros e a assistir filmes religiosos em lugar de cantar canções obscenas e tomar bebidas fortes. A ênfase continua sendo o prazer, embora a diversão se situe agora num plano moral mais elevado, caso não o seja intelectualmente.

A nova cruz encoraja uma abordagem evangelística nova e por completo diferente. O evangelista não exige a renúncia da velha vida antes que a nova possa ser recebida. Ele não prega contrastes mas semelhanças. Busca a chave para o interesse do público, mostranto que o cristianismo não faz exigências desagradáveis; mas, pelo contário, oferece a mesma coisa que o mundo, somente num plano superior. O que quer que o mundo pecador esteja idolizando no momento é mostrado como sendo exatamente aquilo que o evangelho oferece, sendo que o produto religioso é melhor.

A nova cruz não mata o pecador, mas dá-lhe nova direção. Ela o faz engrenar em um modo de vida mais limpo e agradável, resguardando o seu respeito próprio. Para o arrogante ela diz: "Venha e mostre-se arrogante a favor de Cristo"; e declara ao egoísta: "Venha e vanglorie-se no Senhor". Para o que busca emoções, chama: "Venha e goze da emoção da fraternidade cristã". A mensagem de Cristo é manipulada na direção da moda corrente a fim de torná-la aceitável ao público.

A filosofia por trás disso pode ser sincera, mas na sua sinceridade não impede que seja falsa. É falsa por ser cega, interpretando erradamente todo o significado da cruz.

A velha cruz é um símbolo da morte. Ela representa o fim repentino e violento de um ser humano. O homem, na época romana, que tomou a sua cruz e seguiu pela estrada já se despedira de seus amigos. Ele não mais voltaria. estava indo para seu fim. A cruz não fazia acordos, não modificava nem poupava nada; ela acabava completamente com o homem, de uma vez por todas. Não tentava manter bons termos com sua vítima. Golpeava-a cruel e duramente e quando terminava seu trabalho o homem já não existia.

A raça de Adão está sob sentença de morte. Não existe comutação de pena nem fuga. Deus não pode aprovar qualquer dos frutos do pecado, por mais inocentes ou belos que pareçam aos olhos humanos. Deus resgata o indivíduo, liquidando-o e depois ressucitando-o em novidade de vida.

O evangelismo que traça paralelos amigáveis entre os caminhos de Deus e os do homem é falso em relação à bíblia e cruel para a alma de seus ouvintes. A fé manifestada por Cristo não tem paralelo humano, ela divide o mundo. Ao nos aproximarmos de Cristo não elevamos nossa vida a um plano mais alto; mas a deixamos na cruz. A semente de trigo deve cair no solo e morrer.

Nós, os que pregamos o evangelho, não devemos julgar-nos agentes ou relações públicas enviados para estabelecer boa vontade entre Cristo e o mundo. Não devemos imaginar que fomos comissionados para tornar Cristo aceitável aos homens de negócio, à imprensa, ao mundo dos esportes ou à educação moderna. Não somos diplomatas mas profetas, e nossa mensagem não é um acordo mas um ultimato.

Deus oferece vida, embora não se trate de um aperfeiçoamento da velha vida. A vida por Ele oferecida é um resultado da morte. Ela permanece sempre do outro lado da cruz. Quem quiser possuí-la deve passar pelo castigo. É preciso que repudie a si mesmo e concorde com a justa sentença de Deus contra ele.

O que isto significa para o indivíduo, o homem condenado quer encontrar vida em Cristo Jesus? Como esta teologia pode ser traduzida em termos de vida? É muito simples, ele deve arrepender-se e crer. Deve esquecer-se de seus pecados e depois esquecer-se de si mesmo. Ele não deve encobrir nada, defender nada, nem perdoar nada. Não deve procurar fazer acordos com Deus, mas inclinar a cabeça diante do golpe do desagrado severo de Deus e reconhecer que merece a morte.

Feito isto, ele deve contemplar com sincera confiança o salvador ressurreto e receber dEle vida, novo nascimento, purificação e poder. A cruz que terminou a vida terrena de Jesus põe agora um fim no pecador; e o poder que levantou Cristo dentre os mortos agora o levanta para uma nova vida com Cristo.

Para quem quer que deseje fazer objeções a este conceito ou considerá-lo apenas como um aspecto estreito e particular da verdade, quero afirmar que Deus colocou o seu selo de aprovação sobre esta mensagem desde os dias de Paulo até hoje. Quer declarado ou não nessas exatas palavras, este foi o conteúdo de toda pregação que trouxe vida e poder ao mundo através dos séculos. Os místicos, os reformadores, os revivalistas, colocaram aí a sua ênfase, e sinais, prodígios e poderosas operações do Espírito Santo deram testemunho da operação divina.

Ousaremos nós, os herdeiros de tal legado de poder, manipular a verdade? Ousaremos nós com nossos lápis grossos apagar as linhas do desenho ou alterar o padrão que nos foi mostrado no Monte? Que Deus não permita! Vamos pregar a velha cruz e conhecermos o velho poder.



Fonte: O Melhor de A. W. Tozer,

Editora Mundo Cristão, pg 151 a 153